Por Amin A. Rodor (RA, nov. de 2003)
É necessário um novo remanescente? Algumas pessoas acham que sim, argumentando que a História revela ter sido precisamente o fracasso dos que foram originalmente chamados que provocou a necessidade do remanescente.
A Israel foram feitas, sob condições, promessas de que ele permaneceria como povo escolhido. Ao fracassar, Deus suscitou a Igreja cristã. Quando esta se tornou corrompida em doutrinas e práticas, Ele levantou os reformadores para se separarem e formarem o corpo protestante. Então, estes também falharam em avançar na luz que lhes foi concedida, e o Senhor suscitou o movimento adventista com uma missão especial para o fim da História. O modelo é consistente: até aqui os fiéis saíram do remanescente apostatado para constituírem um novo remanescente. Quer isso dizer que o ciclo de chamado, apostasia e novo chamado continua aberto indefinidamente? É precisamente aqui que o cenário do fim impõe uma nova dinâmica. Obviamente, esse ciclo deve ser quebrado em algum ponto; do contrário, por causa da natureza humana, ele ocorreria constantemente sem qualquer resolução final. Notemos que o fracasso de Israel ou da própria Igreja não tomou Deus de surpresa. A antecipação divina já fizera provisão para a tragédia da apostasia, tanto de Israel, da Igreja cristã, como da própria reforma protestante. Contudo, não existe qualquer provisão profética para um novo remanescente em substituição ao movimento adventista.
Isso é evidente no Apocalipse (capítulos 3 e 12). Sete igrejas, e não mais, simbolizam a trajetória da Igreja através da Era Cristã. Laodicéia, a Igreja morna, o povo do juízo, com todos os seus defeitos e fraquezas, fecha o círculo.Qualquer outra conclusão significa estar em descompasso com o tambor da revelação. Então, como tratará Deus com os problemas da Igreja, se não há provisão profética para um remanescente do remanescente? Para embaraço dos oponentes, Deus introduz aqui uma nova estratégia. O Senhor claramente delineou como Ele há de administrar a crise final da Igreja, mas Sua agenda, devemos entender, não inclui a probabilidade de um novo movimento separando-se dela. No passado, como foi visto, o chamado foi para que os fiéis se separassem do corpo apostatado. Mas esse processo – repetimos – não poderia continuar indefinidamente. Nas cenas finais da História, ao contrário das reformas tradicionais, são os infiéis, não os fiéis, que deixarão a Igreja. A sacudidura tomará o lugar do clássico chamado para sair. Esses dois métodos de separação devem ser claramente diferenciados e entendidos. Método divino – “Haverá uma sacudidura da peneira.No devido tempo, a palha precisa ser separada do trigo. Por se multiplicar a iniqüidade, o amor de muitos está esfriando. Este é precisamente o tempo em que o genuíno
será o mais forte.”1 Haverá uma separação de nós por parte daqueles que não apreciaram a luz nem caminharam nela.
Qual o resultado final desse peneiramento?
A palha, representando os infiéis e insinceros que presentemente são encontrados na Igreja, será separada do trigo, símbolo dos cristãos genuínos. O grupo classificado como “morno” (Apoc. 3:15 e 16), para constrangimento da Igreja, presente hoje em Laodicéia, há então de desaparecer para sempre, quer identificando-se com o “quente”, ou assumindo o grupo dos “frios”. A polarização é inevitável, e não poderia ser diferente! Como um ato de sabotagem, o
inimigo traz o joio para dentro da Igreja (Mat. 13:24-30, 36-43). “Enquanto o Senhor traz para a Igreja aqueles que são verdadeiramente conversos, Satanás, ao mesmo tempo, traz pessoas que não são verdadeiramente convertidas para a sua [da Igreja] comunhão.”2 Contudo, como Ellen White indica, esse estado de coisas há de sofrer uma alteração radical: “A sacudidura deve em breve acontecer para purificar a igreja.”3 Quem são os que deixarão a Igreja, sob a ação da sacudidura, identificados de forma geral sob as figuras do “joio”, “palha” e “mornos”? Ellen White, em seus vários escritos sugere uma ampla identificação: “os auto-enganados”, “os descuidados e indiferentes”, “os ambiciosos e egoístas”, “os que se recusam a sacrificar”, “os orientados pelo mundanismo”, “os que transigem e comprometem a verdade”, “os desobedientes”, “os invejosos e críticos”,“os fuxiqueiros, os que acusam e condenam”, “a classe conservadora superficial”, “os que não controlam o apetite”, “aqueles que promovem a desunião”, “os estudantes superficiais da Bíblia”,“aqueles que perderam a fé no dom profético”.4 Aqui, dois fatos são evidentes: primeiro, a ampla variedade do catálogo; e, segundo, todas as categorias estão hoje representadas na Igreja. Ellen White estabelece ainda uma clara convergência entre esses dois aspectos, observando que, “ao aproximar-se a tempestade, uma classe numerosa que tem professado fé na mensagem do terceiro anjo, mas não tem sido santificada pela obediência à verdade, abandona sua posição, passando para as fileiras do adversário”.5 Novamente, a ênfase é colocada no fato de que são os infiéis que abandonarão a Igreja: “Logo o povo de Deus será testado por severas provações e uma grande proporção daqueles que agora parecem ser genuínos e verdadeiros, provar-se-á metal inútil. Em lugar de serem fortalecidos e confirmados pela oposição, ameaças e abusos, eles, covardemente, tomarão o lado dos oponentes. ... Permanecer em defesa da verdade e da justiça – quando a maioria nos há de abandonar – para lutar as batalhas do Senhor, quando os campeões serão poucos, esse será o nosso teste. Neste tempo devemos tirar calor da frieza de outros, coragem da covardia deles, e lealdade de sua traição.”6
A purificação da Igreja virá no tempo indicado, mas não através das reformas e reformulações inventadas e promulgadas pelos dissidentes. A Igreja será purificada afinal, mas o movimento será precisamente o inverso daquilo que aconteceu ao longo dos desdobramentos da História. Sairão os insinceros, enquanto os fiéis permanecerão na comunhão da Igreja. E exatamente por isso, não há provisão divina para um novo remanescente. Aqueles que hoje buscam pureza eclesiástica através da crítica e da acusação, e finalmente se afastam do corpo remanescente de Cristo, cometem um colossal erro de cálculo. Enquanto aguardamos a resolução final da História e a purificação da Igreja, devemos lembrar-nos de que “Deus não deu a nenhum dos Seus servos a obra de punir aqueles que não dão ouvidos às Suas advertências e reprovações.
Quando o Espírito Santo habita no coração, Ele guiará o agente humano a ver os seus próprios defeitos de caráter, a ter piedade das fraquezas dos outros, a perdoar como ele deseja ser perdoado. Será misericordioso, cortês e semelhante a Cristo”.7
Vitória assegurada – O caráter não é construído nas crises, mas é revelado por elas.Os frutos continuam sendo o grande teste da natureza da árvore e, certamente, se o Senhor não pode
mudar nosso caráter, dificilmente Ele poderá mudar nosso destino final. Cada dia, nossa submissão ou rebelião à voz do Espírito está definindo as formas de nossa construção eterna.
Ninguém precisa ser enganado pelas aparências. “Quando homens se levantam, pretendendo ter uma mensagem de Deus, mas em vez de combaterem contra os principados e potestades,
e os príncipes das trevas deste mundo, eles formam um falso esquadrão, virando as armas de guerra contra a igreja militante, tende medo deles. Não possuem as credenciais divinas.
Deus não lhes deu tal responsabilidade no trabalho.”8
Falhará a Igreja? Independente de como os críticos e analistas do negativismo percebam a condição do remanescente de Deus, o Senhor está no controle. Fracasso de nossa parte em crer neste fato nos levará ao desencorajamento ou ao sentimento de que necessitamos “fazer justiça” com as nossas mãos. Essas, porém, são tentações que devem ser resistidas. “A Igreja pode parecer quase a cair, mas ela não cairá. Ela permanece, ao passo que os pecadores de Sião serão lançados fora no joeiramento – a palha separada do trigo precioso. Este é um transe terrível, não obstante importa que tenha lugar.”9
O remanescente de Deus não fracassará, mesmo quando as aparências sugerem outra conclusão. Podemos afirmar tal convicção porque ela está ancorada em quatro fatos fundamentais: primeiro, Cristo é o cabeça da Igreja. Isso, evidentemente, não nos coloca além da possibilidade de fracasso individual. Segundo, não há qualquer provisão profética para um remanescente do remanescente. Tal certeza, entretanto, não deveria levar-nos a qualquer orgulho denominacional, acomodação ou falsa segurança na prática do pecado. Ao contrário, deve conduzir-nos à crescente submissão ao Senhor da Igreja. Terceiro, as vitórias da igreja, através das crises de sua história, crises e pressões que em sua violência e poder de ataque pareceram insuperáveis, dão-nos segurança de que as crises futuras serão administradas pela eficiência dAquele que não pode falhar. Finalmente, o quadro profético do Apocalipse quanto à Igreja dos últimos dias, é esboçado em termos de vitória (Apoc. 14:1-5; 7:9, 10, 13-17).
Não há nada incerto ou duvidoso quanto ao triunfo final da Igreja, ao enfrentar o mar tormentoso dos últimos eventos. Segundo a tradição ligada ao Titanic, o navio considerado insubmergível pelo seu capitão, E. J. Smith, mas que fatalmente desceu para o seu mergulho sem retorno nas águas gélidas do Atlântico Norte, na madrugada de 15 de abril de 1912, no domingo seguinte à tragédia, na cidade de Southampton, de onde o navio havia saído alguns dias antes, e onde viviam muitas das vítimas daquele naufrágio, um pregador americano convidado para uma campanha evangelística, pregou um poderoso sermão sob o título “O navio que não pode afundar”.
O sermão, evidentemente, não era uma referência ao Titanic, mas a uma outra embarcação, de 1900 anos antes, também seriamente ameaçada pelas águas, cruzando o mar da Galiléia
(Mat. 8:23-27). O único navio que não pode afundar, concluiu o pregador com extraordinário senso de propriedade, é aquele em que Cristo está presente. Essa é a única segurança da Igreja ao enfrentar a procela do mar aberto, nos instantes finais de sua jornada. Nossa garantia não se encontra na habilidade ou na perfeição dos homens, na suficiência ou na fortaleza da “embarcação”, mas na presença e autoridade dAquele a quem “os ventos e o mar obedecem” (v. 27).
Referências:
1. Ellen G. White, Eventos Finais, pág. 149.
2. Ellen G. White, Spiritual Gifts, vol. 2, pág. 284.
3. __________ , Carta 46, 1887, pág. 6.
4. Ver Testimonies, vol. 4, págs. 31, 89, 90 e 232; vol. 5, págs. 81, 211, 212 e
463; vol. 1, págs. 182, 187, 251 e 288; Primeiros Escritos, págs. 50 e 269;
The Upward Look, pág. 122; Review and Herald, 08/06/1901; Testemunhos
Para Ministros, pág. 112; Mensagens Escolhidas, vol. 3, pág.
84.
5. Ellen G. White, O Grande Conflito, pág. 608.
6. Seventh-day Adventist Bible Commentary, vol. 2, pág. 1.038.
7. Ellen G. White, Testimonies for the Church, vol. 5, pág. 136.
8. ___________, Testemunhos Para Ministros, págs. 22 e 23.
9. ___________, Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 380.
Amin A. Rodor, Th.D., é professor e coordenador da Faculdade de Teologia do Unasp, Campus 2, Engenheiro Coelho, SP.