O autor de Apocalipse se identifica repetidas vezes como "João" (cap. 1:1, 4, 9; 21:2; 22:8). IÇánn"s, a forma grega deste nome (ver Luc. 1:13), ao nome comum hebreu Yojanan, que aparece numerosas vezes nos últimos livros do AT, nos livros apócrifos e em Josefo. Isto identifica ao autor como judeu.
Várias evidências indicam claramente que Juan era o nome do autor, e não um pseudônimo como aparecia em muitas obras apocalípticas judias e dos primeiros cristãos. A primeira é que o autor do Apocalipse se identifica como Juan sem tentar dar-se a conhecer como um que ocupava algum cargo na igreja.
Vários apocalipse judeus e cristãos são atribuídos a patriarcas e profetas hebreus e a apóstolos cristãos. Se assim sucedesse com o Apocalipse, é de esperar que seu autor tentasse identificar-se especificamente como apóstolo.
Mas a singela declaração de que seu nome é Juan "vosso irmão" (Apoc. 1:9; cf. a referência de Pedro a Pablo, 2 Ped. 3:15), testemunha que o que escreve dá seu nome verdadeiro. É evidente que o autor era tão conhecido nas igrejas, que seu nome bastava para identificá-lo e dar validez ao relato de suas visões.
Mais ainda: parece que a prática de usar pseudônimos não era comum quando o exercício do dom de profecia era vigoroso. Durante o período intertestamentario - quando até onde saibamos não tinha profeta reconhecido entre os judeus- os escritores religiosos com freqüência creram que era necessário valer-se do nome de algum personagem antigo de grande reputação para assegurar a aceitação geral de sua obra. Indubitavelmente em dito período não tinha nenhum profeta verdadeiro que falasse em nome de Deus, como o tinham feito os profetas do AT; mas com a aparição do cristianismo floresceu novamente o dom de profecia. Na igreja cristã do primeiro século não existiu a suposta necessidade de usar pseudónimos. Os cristãos estavam convencidos de que seus apóstolos e profetas falavam diretamente como instrumentos de Deus. Mas quando o profetismo caiu em descrédito entre os cristãos e finalmente desapareceu no século II, começaram a aparecer obras pseudoepigráficas que levavam os nomes de diversos apóstolos (ver t. VI, pp. 42-44). Segundo os fatos mencionados é razoável concluir que o Apocalipse, que aparece no século I d.C., não é um livro pseudepigráfico, senão a obra de um homem cujo verdadeiro nome foi Juan.
Quem era este Juan? No NT há vários personagens com este nome: João o Batista, Juan o filho de Zebedeu (um dos doze), Juan, o que tinha por apelido Marcos, e um parente do sumo sacerdote Anás (ver com. Hech. 4:6). É evidente que o escritor do Apocalipse não poderia ser Juan o Batista, pois este morreu antes da crucificação de Jesus. Também não é razoável supor que fosse o parente de Anás, de quem não há indicação de que chegou a ser cristão. Também é pouco provável que Juan Marcos fosse o autor do Apocalipse, pois o estilo, o vocabulário e o enfoque do segundo Evangelho são completamente diferentes aos do Apocalipse; ademais, não se sabe de ninguém na igreja primitiva que tenha atribuído o Apocalipse a Marcos.
Com este processo de eliminação só fica Juan o filho de Zebedeu e irmão de Jacó. Este Juan não só foi um dos doze senão também membro do círculo íntimo de Jesus. A tradição cristã primitiva o reconhece quase unanimemente como o autor do Apocalipse. Em realidade, todos os escritores cristãos até mediados do século III, em cujas obras existentes hoje se mencione este tema, atribuem o Apocalipse a Juan o apóstolo. Estes escritores são Justino Mártir, em Roma (c. 100-c. 165 d. C., Diálogo com Trifón 81); Ireneo de Lyon (c. 130-c. 202 d. C., Contra heresias iv. 20. 11); Tertuliano, em Cartago (c. 160-c. 240 c. d. C., Sobre prescrições contra os hereges 36); Hipólito, de Roma (m.c. 235 d. C., Tratado sobre Cristo e o anticristo xxxvi), e Clemente de Alexandria (m. c. 220 d. C., Quem é o rico que se salvará? xlii). Estes depoimentos demonstram que nos começos da igreja eram muitos e influentes os que criam que o autor do Apocalipse foi o apóstolo Juan. Ademais, várias antigas tradições cristãs relacionam os últimos anos de Juan com a cidade de Efeso. Assim o faz Ireneo (Op. cit. iii. 3, 4), quem declara que em sua juventude tinha visto ao ancião Policarpo, de Esmirna, o que "conversou com muitos que tinham visto a Cristo", entre eles com Juan, que tinha residido em Efeso até os dias de Trajano (98-117 d. C.). Polícrates (130-c. 200 d. C.), bispo de Efeso, oitavo em sua família que foi bispo cristão, testemunha que Juan "o que se reclinou no seio de Jesús... descansa em Efeso" (Epístola a Víctor e a Igreja Romana a respeito do dia de observar a páscoa). Estas declarações coincidem com o fato de que Juan se dirige a Efeso e às outras igrejas de Ásia (Apoc. 1:4, 11).
O único depoimento deste período que parece não concordar com a opinião de que o autor do Apocalipse foi o apóstolo Juan, prove de Papías, pai da igreja (m. c. 163 d. C.). As obras de Papías se perderam; o único que existe delas está em forma muito fragmentaria em citações conservadas por escritores posteriores. Dois delas se referem à morte de Juan. Numa, de um manuscrito do século VII ou VIII d. C., que parece ser um resumo da Crônica de Felipe de Side (século V), declara-se: "Papías diz em seu segundo livro que João o Teólogo e Tiago seu irmão 735 foram morridos pelos judeus". E num manuscrito da Crônica de Georgius Hamartolus (c. 860 d. C.) lê-se em forma similar: "Porque Papías, bispo de Hierápolis, sendo testemunha ocular disto, no segundo livro dos ditos do Senhor, diz que ele [Juan ] foi morrido pelos judeus, cumprindo claramente, com seu irmão, a predição de Cristo relativa a eles".
Estas citações parecem indicar a primeira vista que um servidor público cristão que viveu a fins do primeiro século e começos do segundo, nas proximidades de Efeso, testemunhou que o apóstolo Juan, bem como seu irmão, foi morrido pelos judeus antes de que pudesse ter escrito o Apocalipse no tempo de Nero ou de Domiciano, que são os períodos nos quais os eruditos geralmente o colocam (ver o "Marco histórico"). No entanto, um exame mais minucioso faz surgir vários interrogantes com respeito a estas citações. O fato de que a passagem do primeiro manuscrito se refira a Juan como "o teólogo", indica que a citação sofreu modificações feitas por um escreva medieval, porque este título não se aplica a Juan em nenhum manuscrito bíblico existente anterior ao século VIII, e é virtualmente impossível que Papías o pudesse ter usado. A segunda citação, de Georgius Hamartolus, só se acha num dos manuscritos de dito autor.
Os outros unicamente dizem que Juan morreu em paz; mas é evidente que não citam em nada a Papías. Portanto, é muito difícil saber exatamente que foi o que disse Papías a respeito da morte de Juan. Se em verdade escreveu que Juan, como Santiago, foi morrido pelos judeus, isto não implica que suas mortes ocorreram ao mesmo tempo ou muito perto a uma da outra. No Apocalipse inclusive se afirma que, no tempo em que foi escrito, os judeus ainda seguiam causando dificuldades aos cristãos, e se Juan finalmente morreu como mártir bem pôde ter sido como resultado das intrigas dos judeus.
"Não pesará escrever com nossas interpretações as coisas que em outro tempo aprendi e encomendei à memória, para que se afirme a verdade das mesmas com nossa asserção... Porque se enquanto me ia ao encontro algum que tinha tratado com os anciãos, perguntava-lhe curiosamente quais fossem os ditos dos anciãos; que acostumavam a dizer [Gr. éipen, "disse"] Andrés, Pedro, Felipe, Tomás, Santiago, Juan, Mateus, e daí os demais discípulos do Senhor; que pregaram [Gr. légousin, "dizem"] Aristión e o presbítero João, discípulo do Senhor. Pois eu estimava que não poderia sacar tanta utilidade das leituras dos livros quanto da viva voz dos homens ainda sobreviventes" (História eclesiástica iii. 39. 3-4).
Esta passagem deu lugar a muitas conjecturas. Eusebio o interpretou como que tivessem existido dois homens chamados Juan que viveram em Ásia a fins do século I d. C.: o apóstolo e outro homem que era presbítero ou ancião. A opinião de Eusebio era que este último era o que tinha conhecido Papías pessoalmente, e que foi o que escreveu o Apocalipse, enquanto o apóstolo tinha sido o autor do Evangelho.
Zahn, erudito alemão do Novo Testamento, faz notar (Introduction to the New Testament, 2.a edit., t. 2, pp. 451-453) que na declaração de Papías não há uma verdadeira distinção entre presbíteros e apóstolos. Papías diz que "perguntava" a respeito de "os ditos dos anciãos", e imediatamente segue com uma lista dos apóstolos; depois quando menciona ao "presbítero Juan" o identifica em seguida como um dos "discípulos do Senhor". A única distinção entre os dois grupos que menciona radica na diferença do tempo do verbo, pretérito no primeiro e presente ao segundo, o que sugere que os do primeiro grupo mencionado eram discípulos de Jesus que tinham vivido ou dado seu depoimento antes do tempo de Papías, enquanto os do segundo grupo ainda viviam, e Papías podia obter deles informação. Se se aceita 736 o depoimento de Ireneo (p. 734), o apóstolo Juan estaria incluído em ambos grupos, e por isso seria concebível que fosse mencionado duas vezes.
O esforço de Eusebio por encontrar dois Joãos na declaração de Papías se faz mais compreensível pelo fato de do que suas conclusões foram influídas pela obra de Dionisio, bispo de Alexandria (m. em 265 d. C.; ver Eusebio, op. cit. vii. 24-25). Dionisio reagiu contra alguns cristãos que destacavam a idéia de um milenar literal, e escreveu uma obra titulada Tratado a respeito das promessas, na qual tentava mostrar mediante eruditos argumentos que o Apocalipse não foi escrito pelo apóstolo Juan senão por outro escritor com o mesmo nome. Dionisio é o primeiro pai da igreja que duvida da origem apostólica do Apocalipse, e seus argumentos ficaram como clássicos para os especialistas que compartilham seu ponto de vista.
Dionisio fundamenta suas críticas no fato de que há evidentes diferenças entre a linguagem do Evangelho e o do Apocalipse. Os vocabulários de ambos mostram marcadas diferenças; uma quantidade de palavras que aparecem com muita freqüência num, são raras no outro. Os seguintes exemplos são particularmente notáveis: kósmos, "mundo", aparece no Evangelho 79 vezes, mas no Apocalipse só 3 vezes; alétheia, "verdade", aparece no Evangelho 25 vezes, mas nunca no Apocalipse; fÇs "luz", 22 vezes no Evangelho, e no Apocalipse só 3 vezes; agapáÇ, "amar", aparece 37 vezes no Evangelho, e no Apocalipse 4 vezes; PistéuÇ, "crer", 100 vezes no Evangelho, e nenhuma no Apocalipse; lá, "mas", mais de 100 vezes no Evangelho, e no Apocalipse só 13 vezes; enópion, "ante", "em testa", aparece no Evangelho uma vez, mas no Apocalipse 36 vezes; emós, "meu", no Evangelho 42 vezes, e no Apocalipse uma vez. Quando o Evangelho se refere a Cristo como "o Cordeiro", utiliza sempre a palavra amnós, enquanto no Apocalipse se usa arníon; ambas palavras significam "cordeiro". No Evangelho, Jerusalém sempre é Hierosóluma, enquanto no Apocalipse é Hierousal"m.
Dionisio também assinalou que o grego do Evangelho de Juan é correto e puro, enquanto o do Apocalipse contém uma quantidade de passagens estranhamente construídas, sem ter em conta as regras de gramática e sintaxe. Em vista destas marcadas diferenças entre o Evangelho e o Apocalipse, Dionisio concluiu que não tinham sido escritos pelo mesmo autor. Estas críticas parecem ter tido uma ampla influência na opinião da igreja oriental quanto à origem apostólica do Apocalipse e, portanto, a sua canonicidade. Eusebio não só registrou os detalhes dos argumentos de Dionisio, senão que tentou dar-lhes uma base mais firme mediante a passagem já citada de Papías. E quanto à canonicidade do Apocalipse, informou:
"Entre os escritos de Juan, além do Evangelho, é admitida sem controvérsia alguma sua primeira epístola, tanto pelos mais recentes quanto por todos os antigos; as duas epístolas restantes são postas em dúvida. A respeito da Revelação (o Apocalipse) disputa-se em pró e na contramão com variedade de opiniões" (op. cit. iii. 24. 17-18).
Ainda que a evidência alegada por Dionisio, que indica a existência de duas Jõaos, tem consistência, devem considerar-se outros fatos antes de emitir um juízo. A opinião de Dionisio e Eusebio se funda principalmente em dois pontos: a citação ambígua de Papías e os argumentos de Dionisio a respeito de diferenças lingüísticas entre o Evangelho e o Apocalipse. Ainda que não pode provar-se que Papías não se referiu a dois homens diferentes chamados Juan, se o fez, seu depoimento -quanto possa usar-se como prova da origem não apostólica do Apocalipse - é refutado por meia dúzia de outros pais da igreja (ver p. 734). Neste sentido são particularmente importantes as declarações de Ireneo, quem se relacionou pessoal e diretamente com Policarpo, contemporâneo de Juan e de Papías. Ireneo parece ter conhecido a um só Juan, o apóstolo, e afirma claramente que foi este quem escreveu o Apocalipse. Em vista disto parece razoável concluir que não deve apresentar-se com tanta insistência a ambígua declaração de Papías como prova da existência de dois homens chamados Juan.
As diferenças lingüísticas entre o Evangelho e o Apocalipse são significativas. Ainda que as diferenças de tema e estilo- que evidentemente existem entre os dois livros- podem explicar em certa medida a disparidade dos vocabulários, pelo geral um mesmo escritor não varia tanto em seu uso de certas palavras tais como lá, enÇpion e emós (ver p. 736). Sem ter em conta o tema tratado ou a forma literária, pelo geral o mesmo autor usa ou omite palavras semelhantes numa forma inconsciente. Quando dois livros diferem tanto como o Evangelho de Juan e o Apocalipse no uso destas palavras, poderia parecer difícil ao princípio crer que são do mesmo autor.
Mas este fato não significa necessariamente de por si que Juan não seja o autor de ambas obras. As circunstâncias nas quais parecem ter sido escritos os dois livros podem explicar razoavelmente ditas diferenças. Juan declara no Apocalipse que recebeu suas visões enquanto "estava na ilha chamada Patmos, por causa da palavra de Deus e o depoimento de Jesus Cristo" (cap. l: 9). No exílio, Juan sem dúvida se viu obrigado a valer-se de sua própria capacidade lingüística para a redação do Apocalipse, e por isto não deve surpreender-se que a linguagem deste livro não seja sempre puro, em onde as vezes se transluzem semitismos através do grego, e que o autor não estivesse sempre muito seguro de sua gramática. Esta situação é muito normal considerando as circunstâncias nas quais Juan escreveu o Apocalipse. Ademais, as visões eram evidentemente registradas à medida que as cenas passavam vividamente frente aos olhos do profeta (cap. 10: 4). Pode ser que Juan não fizesse a propósito uma revisão para que não se debilitasse a vivacidade da ação.
Por outra parte, a tradição cristã mais antiga indica do que o Evangelho foi escrito em condições completamente diferentes. No Fragmento de Muratori, escrito em Roma provavelmente ao redor de 170 d. C. -só poucas décadas depois de que tivesse estado ali Policarpo, o discípulo de Juan- se afirma:
"O quarto dos Evangelhos é de Juan, um dos discípulos. Quando foi animado [a escrever] pelos outros discípulos e bispos, disse-lhes: "Jejuai comigo os próximos três dias, e tudo o que se nos revele a cada um de nós nos o relataremos mutuamente". Aquela noite lhe foi revelado a Andrés, um dos apóstolos, que ainda que todos deviam revisá-lo, Juan devia narrá-lo todo em seu próprio nome" (Texto latino em S. R Tregellos, edit., Cânon Muratorianus, pp. 17-18).
Ainda que é óbvio que este relato tem características fantásticas, como a presença de Andrés e outros apóstolos com Juan quando escreveu o Evangelho, pode ter um pouco de verdade, quando sugere que Juan pôde ter recebido ajuda na composição do Evangelho. Em apoio desta hipótese também está uma declaração atribuída a Papías, que se conserva num manuscrito do século X:
"Portanto, é claro que este Evangelho foi escrito depois do Apocalipse, e foi entregado às igrejas do Ásia por Juan, estando ainda no corpo [vivo] como bispo de Hierápolis. Papías de nome, um amado discípulo de Juan, que escreveu este Evangelho que lhe foi ditado por Juan, refere-o em seu Exoterica, isto é, nos últimos cinco livros" (Texto latino em Wordsworth e White, Novum Testamentum... Latine, t. 1, pp. 490-491).
Ainda que não pode assegurar-se que os detalhes deste relato sejam exatos, estas duas declarações sugerem com certa intensidade que no século II se tinha estendido a idéia de que Juan tinha redigido o Evangelho com a ajuda de outros. Apoiada por esta antiga tradição, a declaração ao final do Evangelho: "Este é o discípulo 738 que dá depoimento destas coisas, e escreveu estas coisas; e sabemos que seu depoimento é verdadeiro" (cap. 21:24), pareceria ser a certificação dos ajudantes de Juan para dar veracidade a seu relato. Se esta maneira de interpretar as provas é correta, não é difícil explicar as diferenças lingüísticas e literárias que existem entre o Apocalipse, escrito provavelmente quando Juan estava só em Patmos, e o Evangelho, escrito com a ajuda de um ou mais dos crentes em Efeso.
ÀS evidências apresentadas pode adicionar-se o fato de que há certos paralelos literários notáveis entre o Apocalipse e o Evangelho de Juan, que sugerem uma mesma paternidade literária. O Apocalipse fala do "água da vida" (cap. 21:6; 22:17); e o Evangelho, de "água viva" (cap. 4: 10; 7:38).
O Apocalipse convida: "O que tem sede, vinga" (cap. 22:17), e o Evangelho declara: "Se algum tem sede, vinga" (cap. 7:37). Opsis, "aparência" ou "rosto", usa-se no NT só nos escritos de Juan (Juan 7:24; 11: 44; Apoc. l: 16). O mesmo pode dizer-se das expressões t"réin ton lógon "guardar minha palavra" (Juan 8:51-52, 55; 14:23-24; 15:20; 17:6; 1 Juan 2:5; Apoc. 3:8, 10; 22:7, 9), e ónoma autÇ, "se chamava", literalmente "nome para ele" (Juan 1:6; 3: l; Apoc. 6:8). Salvo nos lugares onde se faz referência direta aos símbolos do AT, nomeia-se a Cristo como o Cordeiro unicamente no Evangelho de Juan e no Apocalipse (Juan 1:29, 36; Apoc. 5:6; e mais 28 vezes).
Portanto, ainda que podem apresentar-se argumentos na contramão de que Juan seja o autor do Apocalipse, deve reconhecer-se que as provas a favor do ponto de vista tradicional de que o autor do Apocalipse foi o apóstolo, são razoáveis e sólidas. Este Comentário aceita o ponto de vista tradicional.
Os eruditos modernos estão divididos quanto a se o momento quando se escreveu o Apocalipse deve fixar-se numa data relativamente temporã, durante os reinados de Nero (54-68 d. C.) ou de Vespasiano (69-79 d. C.; ver t. VI, pp. 83, 88), ou numa data posterior, para o fim do reinado de Domiciano (81-96 d. C.; ver t. VI, p. 88).
Os eruditos que preferem uma data mais antiga para o Apocalipse, geralmente identificam a perseguição citada nas cartas às sete igrejas com a que sofreram os cristãos no reinado de Nero (64 d. C.), ou possivelmente mais tarde no tempo de Vespasiano, ainda que não é claro até que ponto este último imperador perseguiu à igreja. Crêem que o mundo convulsionado descrito no Apocalipse reflete as dificuldades que perturbaram a cidade de Roma desde os últimos anos de Nero até os primeiros anos de Vespasiano. Vêem na besta que sofre uma ferida mortal e é curada (cap. 13:3), e na besta que "era e não é; e está para subir do abismo" (cap. 17:8), uma representação de Nero, de quem dizia uma lenda popular que apareceu depois de sua morte, que reapareceria em algum dia. Também crêem que o número simbólico 666 (cap. 13:18) representa a Nero César, escrito em consoantes hebréias (Nrwn Qsr). Estas evidências induziram a certo número de destacados eruditos a localizar a redação do Apocalipse a fins das décadas dos anos 60 ou 70 do século I.
Este raciocínio, ainda que indubitavelmente baseado em fatos históricos, depende, para ser admitido, da interpretação que se dê a certas declarações do Apocalipse. Mas uma interpretação tal é, por suposto, subjetiva, e não foi aceitada por muitos verdadeiros eruditos do passado. Também não a aceita este Comentário, pois seus autores crêem que as profecias do Apocalipse se aplicam também ao que está além da situação imediata e local (cf. com. cap. 1: 11). Qualquer evidência para a data da redação do Apocalipse deve basear-se, em primeiro lugar, pelo menos em outras classes de evidências e raciocínios.
O depoimento dos primeiros escritores cristãos é quase unânime no sentido de que o livro de Apocalipse foi escrito durante o reinado de Domiciano. Ireneo, que afirma que teve relação pessoal com Juan por meio de Policarpo, declara do Apocalipse: "Porque isso não foi visto faz muito tempo, senão quase em nossos dias, para fins do reinado de Domiciano" (Contra heresias v. 30). Victorino (m. c. 303 d. C.) diz: "Quando Juan disse estas coisas estava na ilha de Patmos, condenado a trabalhar nas minas pelo césar Domiciano. Portanto, ali viu o Apocalipse" (Comentário sobre o Apocalipse, cap. 10: 11; ver com. Apoc. l: 9). Eusebio (História eclesiástica iii. 20. 8-9) registra que Juan foi enviado a Patmos por Domiciano, e que quando os que tinham sido desterrados injustamente por Domiciano foram liberados por Nerva, seu sucessor (96-98 d. C.), o apóstolo voltou A Efeso.
Um depoimento cristão tão antigo induziu aos autores deste Comentário a fixar o momento quando se escreveu o Apocalipse, ao final do reinado de Domiciano, ou seja antes de 96 d. C.
Portanto, é interessante mencionar brevemente um pouco de as condições que existiam no império, particularmente as que afetavam aos cristãos durante o tempo de Domiciano. Durante seu reinado a questão da adoração do imperador chegou a ser pela primeira vez crucial para os cristãos, especialmente na província romana de Ásia, região à qual se dirigiram em primeiro lugar as cartas às sete igrejas. Ver com. cap. 1: 1, 11.
A adoração do imperador era comum em alguns lugares ao este do mar Mediterrâneo ainda antes de Alejandro Magno. Este foi deificado e também seus sucessores. Quando os romanos conquistaram o Oriente, seus generais e procónsules eram aclamados com freqüência como deidades. Este costume foi muito mais forte na província de Ásia, onde sempre tinham sido populares os romanos. Era comum edificar templos para a deusa Roma, personificación do espírito do império, e com sua adoração se relacionava a dos imperadores.
No ano 195 a. C. se lhe erigiu um templo em Esmirna; e no 29 a. C. Augusto concedeu permissão para a edificação de um templo em Efeso para a adoração conjunta de Roma e de Julio César, e de outro em Pérgamo, para a adoração de Roma e de si mesmo. Augusto não promovia sua própria adoração, mas em vista dos desejos expressados pelo povo de Pérgamo, sem dúvida considerou tal adoração como uma conveniente medida política. Nesse culto a adoração de Roma pouco a pouco chegou a ser menos importante, e sobressaiu a do imperador.
A adoração deste em nenhuma maneira substituía a dos deuses locais, senão que era adicionada e servia como um meio para unificar o império. Os rituais do culto do imperador não sempre se distinguiam facilmente das cerimônias patrióticas. Em Roma se instava a não adorar a um imperador enquanto ainda vivia, ainda que o senado deificó oficialmente a certos imperadores já mortos.
Gayo Calígula (37-41 d. C.) foi o primeiro imperador que promoveu sua própria adoração. Perseguiu aos judeus porque se #oponer<3> a adorá-lo, e sem dúvida também tivesse dirigido sua ira contra os cristãos se tivessem sido o bastante numerosos em seus dias como para que lhe chamassem o atendimento. Seus sucessores foram mais condescendientes, e não perseguiram aos que não os adoravam.
O próximo imperador que deu importância a sua própria adoração foi Domiciano (81-96 d. C.). O cristianismo não tinha sido ainda reconhecido legalmente pelo governo romano (ver p. 769), mas ainda uma religião ilegal dificilmente fosse perseguida a não ser que se #oponer<1> à lei; e isto foi precisamente o que fez o cristianismo. Domiciano tentou com todo empenho que sua pretendida deificación se arraigara na mente do populacho, e impôs sua adoração a seus súbditos. O historiador Suetonio registra que publicou uma carta circular em nome de seus procuradores, que começava com estas palavras: " "Nosso Senhor e nosso 740 Deus ordena que isto seja feito" " (Domiciano xlii. 2).
"E no mesmo ano [95 d. C.] Domiciano matou junto com muitos outros a Flavio Clemente o cônsul, ainda que era seu primo e tinha como esposa a Flavia Domitila, que era também parente do imperador. Ambos foram acusados de ateísmo, acusação pela qual foram condenados muitos outros que tinham adotado costumes judias. Alguns deles foram morridos, e o resto pelo menos foi despojado de suas propriedades. Domitila só foi desterrada a Pandataria".
Ainda que a primeira vista esta passagem parece registrar uma perseguição contra os judeus (e de acordo com o historiador judeu H. Graetz, o primo de Domiciano era prosélito judeu [History of the Jews, t. 2, pp. 387-389] ), os eruditos sugeriram que em realidade Flavio Clemente e sua esposa foram castigados por ser cristãos. Desde o ponto de vista de um historiador pagão que não conhecia intimamente o cristianismo, "costumes judeus" seria uma descrição lógica do cristianismo, e o "ateísmo" bem poderia representar a negativa dos cristãos de adorar ao imperador. Eusebio (História eclesiástica iii. 18. 4, p. 123) sem dúvida confunde a relação entre Domitila e Clemente, e diz que Domiciano desterrou a uma sobrinha de Clemente, telefonema Flavia Domitila, porque era cristã. Provavelmente as duas referências são à mesma pessoa, e sugerem que a perseguição chegou até a família imperial.
Essa perseguição, por negar-se a adorar ante o altar do imperador, sem dúvida constitui a razão imediata do desterro de Juan a Patmos, e portanto da redação do livro do Apocalipsis. Sem dúvida tinham morrido todos os apóstolos, exceto Juan, e este se achava desterrado na ilha de Patmos. O cristianismo já tinha entrado em sua segunda geração. A maioria dos que tinham conhecido ao Senhor tinham morrido. A igreja se via frente à mais feroz ameaça externa que tinha conhecido, e precisava uma nova revelação de Jesucristo. Portanto, as visões dadas a Juan enchiam uma necessidade específica nesse tempo; e mediante elas o céu foi aberto para a igreja que sofria, e os cristãos que se negavam a inclinar-se ante a pompa e o esplendor do imperador, receberam a segurança de que seu Senhor, já ascendido e ante o trono de Deus, superava infinitamente em majestade e poder a qualquer monarca terrenal que pudesse exigir sua adoração. Ver HAp 464-466. Quanto ao significado do culto ao imperador em relação com a declaração de Juan a respeito do "dia do Senhor", ver com. cap. 1: 10.
Fonte: Comentário Bíblico Adventista, v. 7