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O Papa Bento XVI é o "Sétimo Rei"?

Por André Reis

Apocalipse 17:7-11 é uma das passagens mais difíceis de toda a Bíblia. Muitas interpretações drasticamente divergentes têm sido propostas para esta passagem, não só por Adventistas mas por outras denominações também. Este artigo propõe uma das interpretações mais aceitas na IASD atualmente e suas implicações para a interpretação de que os sete reis representam sete papas recentes, o que faria de Bento 16 o "sétimo rei" (v. 10). O artigo também expõe alguns problemas com outras interpretações historicistas adventistas atuais. Aqui vai a passagem na versão Almeida Atualizada:
"7. Ao que o anjo me disse: Por que te admiraste? Eu te direi o mistério da mulher, e da besta que a leva, a qual tem sete cabeças e dez chifres. 8. A besta que viste era e já não é; todavia está para subir do abismo, e vai-se para a perdição; e os que habitam sobre a terra e cujos nomes não estão escritos no livro da vida desde a fundação do mundo se admirarão, quando virem a besta que era e já não é, e que tornará a vir. 9. Aqui está a mente que tem sabedoria. As sete cabeças são sete montes, sobre os quais a mulher está assentada; 10. são também sete reis: cinco já caíram; um existe; e o outro ainda não é vindo; e quando vier, deve permanecer pouco tempo. 11. A besta que era e já não é, é também o oitavo rei, e é dos sete, e vai-se para a perdição."
A pergunta crucial para o entendimento correto da passagem é: A que tempo o anjo se refere ao dizer das cabeças da besta no verso 10 que "cinco já caíram, um é, outro ainda não é vindo"?
Essa pergunta pode ser respondida por dois princípios interpretativos1 que regem a interpretação de profecias tanto do Antigo quanto do Novo Testamento:

1. A profecia é relevante ao tempo do profeta. Em outras palavras, a profecia não é simplesmente para saciar a curiosidade do profeta sobre um futuro distante, mas sim para revelar a ação constante de Deus na história do Seu povo, inclusive no momento em que o profeta vive, no seu contexto e circunstâncias imediatas. Embora as profecias transcendam muitas vezes esse contexto, elas se fundamentam no tempo do profeta, usam elementos com os quais ele está familiarizado e se entendem a partir desse tempo e contexto. Exemplos disso são o ídolo de Nabucodonosor em Daniel 2 e os gafanhotos, os selos, as trombetas e as taças do Apocalipse. Deus não mostrou a Daniel e João e outros profetas elementos desconhecidos como bombas nucleares, aviões, helicópteros, computadores, internet, automóveis, etc.
Ellen White articula esse ponto dizendo que "[Deus] vai ao encontro dos caídos seres humanos onde eles se acham. Perfeita como é, em toda a sua simplicidade, a Bíblia não corresponde às grandes idéias de Deus; pois idéias infinitas não se podem corporificar perfeitamente em finitos veículos de pensamento." (ME 1: 22). O Dr. Jon Paulien, atual reitor da Universidade Adventista de Teologia de Loma Linda e autoridade em Novo Testamento e profecia concorda que "A abordagem adventista crê que Deus coloca nas visões apocalípticas informações precisas sobre o futuro distante, mas este futuro é descrito na linguagem do tempo e lugar do profeta."2

2. Deve haver distinção entre o tempo da visão e o tempo da interpretação da visão. Na visão propriamente dita, o profeta viaja a tempos e lugares diferentes (tempo transcendente; cf. Apo. 17:3). A explicação da visão, por sua vez, deve ser para benefício do profeta e tem como ponto de referência o tempo do profeta (tempo local). Na explicação da visão, passado, presente e futuro não se referem ao tempo que passa na visão e sim ao momento histórico do profeta para que haja referencial. E os elementos e símbolos da visão também, embora seu significado transponha a barreira de tempo, estão baseados no tempo do profeta. Usando ainda a estátua de Nabucodonosor como exemplo, ela tinha implicações para o tempo do fim mas está firmada no tempo do rei: na visão, Deus revelou um ídolo que era comum ao rei. Deus poderia ter usado outros símbolos mas usou algo que Nabucodonosor entenderia imediatamente. A estátua que ele mandou construir e adorar refletia o entendimento da visão que ele tivera para o seu tempo. Já para Daniel, a mesma visão foi dada usando a temática da Criação.3
Aplicando agora esses dois princípios a Apocalipse 17:7-11, podemos criar o seguinte cenário:

Cena 1: Discurso angélico: Anúncio do início da visão (tempo local): "Vem, mostrar-te-ei..." (v. 1-2)
Cena 2: Visão propriamente dita (tempo transcendente): "Então me levou em espírito a um deserto ..." (3-6)
Cena 3: Fim da visão (tempo local): "Ao que o anjo me disse: Por que te admiraste?" (7a)
Cena 4: Discurso angélico: Explicação da Visão (tempo local): "Eu te direi o mistério da mulher e da besta" (7b)

Note que a explicação não inclui outra visão, como se João fosse transportado novamente a outro período da história durante a explicação. A explicação é baseada na visão da besta e da meretriz ("a besta que viste") e baseia-se no tempo local de João. O texto não permite concluir que João foi levado a um tempo futuro durante a explicação, supostamente o tempo do cumprimento da visão.
Esta distinção é importante, pois segundo o Dr. Ekkehardt Müller do Biblical Research Institute da Conferência Geral: "Durante a visão o profeta se move livremente em tempo e lugar . ... A interpretação da visão, no entanto, tem que se relacionar com o tempo e o lugar do profeta para que faça sentido e para que saibam em que tempo localizar os eventos preditos."4 Paulien adiciona que "Se queremos entender o que Deus está dizendo a João sobre o futuro, precisamos primeiramente entender o que João entendeu. "5
Note também que o anjo explicou para que João pudesse entender a visão e não continuasse "maravilhado" que no original grego é "admiração com medo, estarrecimento" (cf. Daniel 8:27).6 Lembre-se também que Jesus profere uma bênção sobre aqueles que "ouvem e guardam as palavras desta profecia" (Apo. 1:3). No original esse ouvir (akouo) é "ouvir com entendimento", o que pressupõe que o autor e os leitores entenderam a mensagem do Apocalipse como relevante aos seus dias e não exclusivamente a um futuro distante.
A opinião de que "um é" se refere ao tempo de João tem apoio de estudiosos adventistas e eruditos evangélicos. O primeiro a propô-la foi Urias Smith7 e mais recentemente ela teve o apoio dos Dr. Kenneth Strand8, Dr. Jon Paulien9, Dr. Ranko Stefanovic10 e Dr. Ekkehardt Müller.
Portanto, há fortes evidências que a explicação da visão de Apocalipse 17 deve se fundamentar no tempo de João. Sendo assim, os "cinco" (v.10) já haviam passado no tempo de João e o sexto estava presente no tempo dele (c. 95 A.D); o sétimo estava por vir no futuro, ficaria "pouco tempo" e o oitavo seria da mesma natureza dos outros ("é dos sete") e iria "para a destruição" ou seja, surgiria imediatamente antes do juízo. A idéia aqui é sequência histórica. Considerando então que "reis" e "montes" (v. 9, 10) em profecia representam reinos e impérios (Daniel 2; Jeremias 51), e não indivíduos (Papas),11 essas cinco cabeças da besta ou reis significariam cinco impérios opressores do povo de Deus que já haviam passado ou "caído" no tempo de João. A seguinte lista dos impérios que "caíram" tem apoio de vários eruditos adventistas:12 Egito, Assíria, Babilônia, Pérsia e Grécia.13
O fato de que os "montes" são "reis" consecutivos ("caíram, é, virá"), ou seja, em sequência histórica, descarta a interpretação de que esses "montes" se referem aos sete montes literais de Roma, pois montes não tem sentido de sequência ou sucessão histórica. A linguagem aqui é claramente simbólica.
O Dr. Paulien conclui sobre as cabeças de Apocalipse 17 que "... há evidências no livro do Apocalipse de que as três bestas podem representar a sexta cabeça (Apocalipse 12 - Roma pagã do tempo de João), a sétima cabeça (Apocalipse 13 - Roma Papal que sucedeu a pagã) e a oitava cabeça (a besta de Apocalipse 17 - a unidade política mundial.)"14Ele propõe que "o dragão do capítulo 12, a besta do mar do capítulo 13 e a besta escarlata do capítulo 17 são três diferentes estágios da mesma besta"15 o que é pode ser visto nas características compartilhadas pelas três bestas. Portanto, com base no que vimos até agora, poderíamos criar a seguinte linha de tempo de Apocalipse 17:7-11:

A sugestão acima é compatível com os princípios de interpretação de visões proféticas delineados anteriormente e apresenta a leitura mais natural do texto, principalmente no que tange a distinguir entre o referencial de tempo que ocorre na visão (tempo transcendente) com o referencial de tempo da explicação (tempo local). Note também que essa interpretação em nada desmerece a parte que o Papado terá nos eventos finais; segundo o entendimento adventista, a sua atuação está claramente estabelecida em Apocalipse 13 e 18.
Essa interpretação também enfraquece outras interpretações adventistas historicistas atuais que, embora não considerem os Papas como reis, ignoram a importante distinção entre visão e acabam propondo que João foi levado a outro tempo durante a explicação (o que não tem base no texto) considerando assim que os "cinco caíram" no momento da ferida mortal (1798 A.D.).17 Outras mostram inconsistência ao interpretar "um é" no tempo de João (Roma Pagã) enquanto transpõem a besta que "não é" a um tempo futuro (Papado ferido).
Finalmente, apesar de a interpretação proposta aqui ser a mais plausível, Apocalipse 17 provavelmente continuará sendo um texto "difícil" para estudantes das profecias.

Conclusão: Os "cinco caíram, um é e outro ainda não é vindo" de Apocalipse 17:10-11 são melhor entendidos na perspectiva do tempo de João no primeiro século A.D. Essa  interpretação descarta por completo a hipótese de que os seis reis são Papas do século XX e que o sétimo seja Bento XVI.18 Ela também questiona a opinião de que João foi transportado a outro tempo durante a explicação removendo assim o referencial de tempo dos vários períodos delineados pelo anjo.
Certamente todos anseiamos pelo retorno de Jesus. Porém, tentar decifrar "tempos ou épocas" (Atos 1:6-7) através de especulações e sensacionalismo por uma leitura distorcida dos eventos atuais leva a falsas esperanças e desvia a atenção dos verdadeiros sinais do fim. Acima de tudo, nossa confiança na Segunda Vinda deve estar firmemente embasada na promessa de Jesus:
"Eis que cedo venho; bem-aventurado aquele que guarda as palavras da profecia deste livro. Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito; vou preparar-vos lugar. E, se eu for e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos tomarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também." (Apo. 22; João 14:1-3) "Por isso, confortai-vos uns aos outros com essas palavras." (1 Tess. 5:11).

1 Veja Jon Paulien, Revelation 17 and the Papacy (Berrien Springs: Endtime Issues; 2002), 30.
2 Ibid., 32.
3 Ibid., 31.
4 Ekkehardt Müller, Revelation 17: A Suggestion. (Monografia não publicada divulgada pela Adventist Theological Society), 8.
5 Paulien, 32.
6 Paulien sugere que o estarrecimento de João se deve ao fato de que na visão de Apo. 12 ele havia visto a mulher no deserto (Igreja pura) sendo atacada pelo dragão mas em Apocalipse 17 uma mulher (meretriz) está intimamente relacionada à besta. João pode ter entendido que a mulher pura e fiel estava agora "prostituída".
7 Urias Smith, Daniel and the Revelation, Edição revisada (Nashville: Southern Publishing Association, 1944), 711.
8 Kenneth A. Strand, “The Seven Heads: Do They Represent Roman Emperors?” em Symposium on Revelation— Book II, editado
por Frank B. Holbrook, Daniel and Revelation Committee Series, vol. 7 (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 1992),
191.
9 Paulien, 37.
10 Veja Ranko Stefanovic, Revelation of Jesus Christ. (Berrien Springs: Andrews University Press: 2002), 512.
11 Poderia também se argumentar que o Vaticano é um império cujo rei é o Papa mas a linha de tempo no século XX não coincide com "cinco já caíram" no tempo de João. dos impérios que "caíram" tem apoio de vários eruditos adventistas:12 Egito, Assíria, Babilônia, Pérsia e Grécia.13
12 Stefanovic, 512; Paulien 23, 37.
13 Algumas interpretações rejeitam esta lista porque o Egito e Assíria não estão entre os reinos de Daniel 7 e não poderiam estar no Apocalipse. No entanto, há fortes alusões à experiência de Israel no Egito nas sete pragas em Apo. 16 que coincidem com as sete trombetas de Apo. 8-11. Segundo Jon Paulien, há também uma alusão clara à Assíria em Apo. 8:7 baseada em Isa. 10:16-19. Além disso, o Apocalipse não se limita ao que Daniel revelou necessariamente mas desenvolve seus temas de maneira mais ampla. Ellen White diz que: "No Apocalipse todos os livros da Bíblia se encontram e se cumprem. Ali está o complemento do livro de Daniel. " (AA, 585).
14 Paulien, 34.
15 Ibid., 27.
16 Veja Müller, 38.
17 A besta e a meretriz devem ser mantidas como entidades distintas; a besta representa a ação Satânica através de poderes políticos e a meretriz, poderes religiosos apostatados; veja que em Apo. 17:16, a besta e os dez chifres se voltam contra a meretriz e a destroem. Veja o Apêndice sobre a besta do abismo.
18 Uma interpretação ainda mais radical dos reis como Papas é a de que o oitavo rei seria a reencarnação de João Paulo II.

APÊNDICE: E A BESTA DE APOCALIPSE 17?
A interpretação dos oito reis de Apo. 17 na perspectiva do tempo de João nos leva a perguntar: Como então entender as fases da besta de Apocalipse 17:8 que 'era, não é e subirá do abismo (tornará a vir)' usando o mesmo critério? Aqui vai o verso completo: "A besta que viste era e já não é; todavia está para subir do abismo, e vai-se para a perdição; e os que habitam sobre a terra e cujos nomes não estão escritos no livro da vida desde a fundação do mundo se admirarão, quando virem a besta que era e já não é, e que tornará a vir."
Lembra-se do que o Dr. Jon Paulien falou acima que "o dragão do capítulo 12, a besta do mar do capítulo 13 e a besta escarlata do capítulo 17 são três diferentes estágios da mesma besta"? Então note como o texto traz um paralelo entre a besta que "era, não é, e que tornará a vir" (Apo. 17:10) e Deus "que era, que é, e que há de vir" (Apo. 1:4). Isso parece indicar que a besta do capítulo 17 representa aspectos da trajetória do próprio Satanás, o dragão do capítulo 12 e que desde o início quis ser igual a Deus (Isa. 14:12). Embora ele sobreviva através dos reis ("um é, outro virá, o oitavo é a besta"), seu reino está tecnicamente derrotado a partir da cruz em 31A.D. (Apo. 12:12, Luc. 10:18). Algumas evidências textuais parecem favorecer esta interpretação: "Vi uma mulher montada numa besta cor de escarlata". Essa é a mesma cor do dragão de Apo 12:3 que é um dos símbolos de Satanás: "um grande dragão vermelho".
"Subirá do abismo". A besta está no abismo que é símbolo da morada de demônios cujo rei é o anjo Abadom ou Apoliom, que simboliza Satanás (Apo. 9:2-11, cf. Mat. 12:24). Veja também Apo. 20:1; Isa. 24:21; Lucas 8:31; 2 Ped. 2:4; Jud. 6. A besta sobe do abismo para travar a última batalha contra Deus, com a ajuda dos dez reis e da meretriz. "Vai-se para a perdição". A destruição do poder e influência de Satanás sobre a humanidade na Segunda Vinda (Apo. 20:1-3) que culmina com sua destruição definitiva no fim do milênio (Apo. 20:10).
Assim, levando em conta a perspectiva do tempo de João, é possível construir a seguinte sequência histórica da besta do abismo de Apocalipse 17 como sendo um símbolo do próprio Satanás: (O diagrama abaixo é uma sugestão baseada em parte nos estudos do Dr. Jon Paulien, Seminário Adventista de Loma Linda e Dr. Ekkehardt Müller do Biblical Research Institute):