Por Almir A. Fonseca (RA, ago/77)
Havia nessa Igreja uma porção de irregularidades que motivaram a censura divina. Estava ela estabelecida no lugar em que "está o trono de Satanás", situação que era bem conhecida por Cristo. Além disso, Pérgamo estava permitindo que "a doutrina de Balaão" e a "doutrina dos nicolaítas" fossem propagadas no seu interior, arruinando o nível espiritual dos seus membros.
Contudo, as esperanças divinas quanto a Pérgamo não haviam desaparecido inteiramente. Jesus salienta que, não obstante a condição religiosa da terceira igreja da Asia Menor, "conservas o Meu nome, e não negaste a Minha fé". E aos que se esforçassem para vencer, foi dirigida a promessa de que receberiam do "maná escondido", teriam "uma pedrinha branca" e "um nome novo".
Os comentaristas adventistas do Livro do Apocalipse consideram a Igreja de Pérgamo como um período da história da Igreja de Deus na Terra. Esse período abrange os anos de 313-538 de nossa era, e foi marcado pela introdução, no cristianismo, de fortes influências pagãs. Foi nesse tempo que Constantino se colocou ao lado da igreja que até então vinha sendo perseguida. O cristianismo não só recebeu o apoio do Estado, mas começou a governar juntamente com este. Ou em outras palavras, a espada que antes era usada contra os cristãos, passou a ser empunhada por estes. Não é sem significado, pois, que ao Se dirigir à Igreja de Pérgamo, Cristo o faça como "Aquele que tem a espada afiada de dois gumes". Em oposição à espada representativa de que o cristianismo tinha agora a posse, Cristo estava disposto a brandir, se necessário, "a espada da Minha boca", ou seja, a Palavra.
O fato de estar a igreja em consideração, protegida pela espada, trouxe-lhe, de certo modo, um sentimento de orgulho. De fato, os comentaristas encontram no nome Pérgamo o significado de "exaltação". De humilde e proscrita que era anteriormente, a Igreja passou a viver numa situação de segurança, de despreocupação. Ninguém parecia incomodá-la mais em coisa alguma.
Esse sentimento de soberba, vivido pela Igreja do período mencionado, mereceu-lhe a declaração de que habitava "onde está o trono de Satanás". Evidentemente, não é necessário que esse trono seja físico. Pode ser mais uma atitude assumida. Pode-se entender como uma forma de comportamento.
Como sabemos, a exaltação é própria de Satanás. Passagens das Sagradas Escrituras como Isaías 14: 12-14, mostram-nos bem os seus propósitos ambiciosos. Orgulho, soberba, vaidade eram e continuam sendo os sentimentos que dominam a mente do inimigo do bem. Seu trono está alicerçado nestes motivos. Eles fazem parte do seu reino. Estar alguém assentado — ou habitando, na expressão bíblica — no trono de Satanás é, sem dúvida, estar-lhe copiando as atitudes. E a Igreja de Pérgamo estava seguindo o modelo implantado pelo diabo.
Não há, para expulsar o orgulho do coração, como a Palavra de Deus, a Espada de dois gumes (Heb. 4: 12). "Como a rocha está sob o sedimento da terra, está o egoísmo próprio do coração natural sob os bons desejos e aspirações. O amor ao próprio eu não está subjugado" (Parábolas de Jesus, p. 46). Penetrando até onde se encontram o orgulho e o egoísmo, afasta-os a Palavra de Deus, desfazendo assim o trono do maligno. Ao dirigir-Se aos cristãos de Pérgamo, Jesus Se apresenta como Aquele que poderá usar essa arma para dar combate ao ardiloso inimigo.
A arrogância de Satanás também pode ser verificada em pretender ele conduzir as pessoas a uma forma errada de culto. Adão e Eva foram levados a deixar de cultuar o verdadeiro Deus quando cederam ao apetite. Jesus tanto foi convidado a executar a ordem de Satanás transformando pedras em pães, como prostrando-Se e adorando o astuto enganador. E os israelitas, através do uso de "coisas sacrificadas aos ídolos", praticaram a idolatria. Essa "doutrina de Balaão", que na verdade foi instituída pelo inimigo das almas, tem afastado muitas pessoas dos caminhos de Deus. Tem constituído obra de Satanás fazer com que pessoas e igrejas ocupem esse "trono" da falsa adoração.
Jesus quer que as pessoas vivam hoje da Palavra, a "espada afiada de dois gumes", da mesma forma que no tempo de Sua tentação no §; deserto. Foi por não terem a esta "* dado ouvidos, que não só os nossos primeiros pais como os filhos 0 de Israel caíram em transgressão. Uma falsa adoração ou o culto que 8, não seja prestado ao verdadeiro Deus, é uma "cilada" — ou tropeço, como diz outra versão — que 16 o inimigo coloca diante de nós, e que o faz de maneira pretensiosa, arrogante.
Mesmo os prêmios que Jesus Se g propõe oferecer aos vencedores da •a Igreja de Pérgamo, estão todos eles relacionados com a supremacia ou 3 a exaltação. É verdade que eles constituem o oposto destas qualidades, mas nos sugerem a existência ou a substituição delas.
Promete o Mensageiro celeste dar "do maná escondido" aos que forem vitoriosos. Devemos observar que maná é algo que sugere dependência de Deus. Para consegui-lo, os israelitas tiveram que esperá-lo do Céu. O arrogante ou altivo é, antes de mais nada, um independente. Não precisa de ninguém, inclusive de Deus. A oração "o pão nosso de cada dia dá-nos hoje" não faz parte de suas petições. Acha que tem "em depósito muitos bens para muitos dias", e pouco se preocupa com a maneira em que esses bens lhe chegaram às mãos. E quando pensa nisso, não sente muita dificuldade em chegar a uma conclusão, pois loucamente atribui o mérito a si próprio. De fato, para lidarmos com o egoísmo não precisamos ir muito longe — encontramo-lo em nós mesmos.
A exaltação teria sido a característica de Pérgamo. Quem se exalta, por certo gosta de aparecer. Quando alguém se deixa dominar pela exaltação, seja qual for a forma em que ocorra esse envolvimento, tal pessoa tem o propósito de ser vista. Justamente para contrariar esta espécie de sentimento, Deus não só prometeu dar maná aos membros da Igreja de Pérgamo, que se arrependessem, mas diz que dará do "maná escondido". O verdadeiro converso da Igreja do terceiro período deveria dar provas de sua conversão, sendo capaz de aceitar algo que se manteria por milênios sem fazer alarde. "O reino de Deus" — e as recompensas por pertencermos a ele — não vêm "com aparência exterior". O próprio Cristo — Dom no qual todo o Céu se esvaziou — quase não foi percebido quando "Se fez carne e habitou entre nós".
Aceitar os "humildes começos" ou as "coisas pequenas" (Zac. 4:10, parece não ser próprio da exaltação. Esta em geral se sente ferida quando não consegue realizar o suntuoso ou grandioso, alguma coisa que desperte a curiosidade alheia. Fitar os Andes sendo pequeno parece não constituir característica apenas de Napoleão. Mas os pergamitas teriam que pensar muito nos prêmios que lhes serão oferecidos. Cumpria-lhes pensar em termos de coisas pouco vistosas, aparentemente. Tudo quanto lhes estava prometido é escrito no diminutivo. Não se lhes acenava com o maior e mais valioso diamante ou com a mais procurada das pedras preciosas. "Uma pedrinha branca" — símbolo de reprovação da altivez — seria sua recompensa.
Não se conclua, contudo, que por ser uma "pedrinha", seja ela sem valor. O fato de ser branca, indica que é pura. E a pureza é exatamente uma das qualidades divinas. Somente as coisas puras têm condições de permanecer na presença de Deus. Apenas "os limpos de coração" podem ver a Deus. E aqueles que irão ter condições de ver a Cristo por ocasião de Sua segunda vinda, haverão de vê-LO como Ele é porque "a si mesmo se purifica todo o que nEle tem esta esperança". Vê-se, por conseguinte, que não é coisa insignificante o que está reservado aos cristãos de Pérgamo. Mas eles só poderão avaliar o seu prêmio deste ponto de vista, porque se arrependeram e venceram a sua presunção. No seu estado de exaltação própria desprezariam o oferecimento celestial.
Finalmente, nome, fama, popularidade — eis algumas das coisas que a exaltação procura. Como satisfaz o orgulho pessoal ser assunto de manchete! Mesmo não sendo tão pretensioso, o ser humano se empenha por deixar assinalada a sua passagem por esta vida. A vaidade pessoal, entretanto, leva isto a conseqüências bem maiores. A mudança que se exigia dos orgulhosos membros da Igreja de Pérgamo era de molde a poderem eles contentar-se com um nome desconhecido. "Um nome novo, o qual ninguém conhece, exceto aquele que o recebe" é o oferecimento ao vitorioso. Somos exatamente aquilo que sabemos ser, e não o que outros pensam a nosso respeito. Ninguém melhor do que nós — a não ser Deus — nos conhece como devemos ser conhecidos; a não ser que estejamos incapacitados de criticar os próprios atos. Os pergamitas, por conseguinte, voltados para a popularidade, como estavam, não deveriam pensar mais na fama, caso estivessem, de fato, convertidos. Cumpria-lhes se preocuparem com uma condição de simplicidade e modéstia. Deviam satisfazer-se com um nome pelo qual não estavam acostumados a ser chamados.
Mas, à semelhança do que dissemos com respeito à "pedrinha branca", o nome aqui salientado não se acha desfalcado de sentido. Todo o que se refere à experiência do indivíduo com Cristo, acha-se repleto de significado. Essa experiência talvez nunca chegue ao conhecimento de outras pessoas. Pode ela estar relacionada com a oração secreta, com a luta com Deus para vencer alguma falta, com o dilatar-se em busca de mais santidade. É um nome pelo qual talvez nem esposa, nem filhos, nem o mais chegado amigo nos tenha chamado. Só nosso Pai celeste, com quem tivemos as mais secretas e freqüentes audiências, sabe este nome. Ele estará gravado em uma das facetas da "pedrinha branca", fazendo parte da pureza desta. O vencedor, pois, não será mal recompensado ao recebê-lo.