Revista Adventista de junho de 2005, p.
10.
Dr. José Carlos Ramos
Com a morte do papa, reascendeu aqui em nossa congregação a teoria
dos sete reis. Poderia comentar alguma coisa sobre essa teoria? Qual, por
exemplo, seria sua principal fragilidade?
A posição da IASD com respeito a Apocalipse 17:9 e 10 continua
sendo a mesma de antes da morte de João Paulo II. Respeitando o sistema de
interpretação profética que ela assume, o historicismo, interpretamos de duas
maneiras os “sete reis” relacionados nesse texto:
Primeira: Eles
representam sete formas de governo romano desde a fundação de Roma, as quais
são: realeza, consulado, decenvirato, ditadura, triunvirato, império e
papado.
Segunda: Os “sete reis” representam sete reinos ou impérios que
perseguiram e maltrataram o povo de Deus no transcurso da História, começando
com o Egito, e prosseguindo com a Assíria, Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia, Roma
Imperial e Roma Papal. Da mesma forma, no tempo do apóstolo João, os cinco
primeiros desses reinos, ou poderes, haviam passado, o sexto dominava e o
sétimo ainda viria.
O verso 11 também fala do “oitavo rei”, que “procede dos sete”. O
único dos sete, que de fato retornará, é o papado, que, quando plenamente
curado de sua ferida mortal, exercerá a supremacia em todo o mundo (Apoc. 13:3).
Contrariando a posição historicista da Igreja, ultimamente tem
sido ventilada uma forma de interpretação distinta, conhecida como teoria do
sexto rei, e que lamentavelmente tem sido apresentada como verdade em alguns
círculos adventistas:“Os sete reis de Apocalipse 17:9 e 10 são os sete papas
que assumem a direção do Romanismo desde 1929.”
Por que desde 1929? Porque nesse ano o Cardeal Gasparri e Benito
Mussolini, premier italiano entre 1922 e 1943, assinaram o Tratado de Latrão
estabelecendo o Estado do Vaticano e assegurando à Santa Sé independência
absoluta e soberania de caráter civil e político. Supõe-se que aí tenha
ocorrido a cura da ferida mortal infligida à besta (Apoc. 13:3, p.p.). Mas, se
realmente a cura ocorreu em 1929, por que o papado até hoje não logrou um
domínio mundial? Pois a profecia afirma que, uma vez efetivada a cura, “toda a
terra se maravilhou, seguindo a besta” (v. 3, u.p.). Segundo a teoria, o sexto
rei é João Paulo II, e seu sucessor, Joseph Ratzinger, o sétimo. O “oitavo”
virá em seguida, como o último a exercer o primado; isto é, ele avançará até a
volta de Jesus. Mas, segundo a profecia, o oitavo e último será um dos sete
anteriores. Pergunto: Se os seis primeiros papas já morreram (e, segundo a
própria teoria, não será o “sétimo” que retornará), como então um deles será o
“oitavo”? Como se cumprirá a profecia que afirma que o “oitavo procede dos
sete”?
A “fragilidade principal” dessa teoria é precisamente seu erro
fundamental: o ter ela se desviado do pensamento profético interpretativo da
Igreja, o historicismo, e descambado para um dispensacionalismo, ou futurismo
disfarçado (o dispensacionalismo interpreta as profecias jogando a maior parte
de seu cumprimento para o futuro). Toda vez que isso ocorrer, estaremos
subestimando a luz que Deus, desde o princípio, fez incidir sobre nós, e o
resultado não será bom. Jamais deveríamos esquecer que o historicismo transparece
na forma como nosso Salvador tratou as profecias de Daniel (ver o discurso
escatológico registrado em Mateus 24, Marcos 13 e Lucas 21), e na forma com que
o apóstolo Paulo se referiu à vinda do anticristo em II Tessalonicenses 2. E,
claro, Ellen G. White, como mensageira do Senhor, não poderia adotar outro
sistema. É suficiente uma olhadela no livro O Grande Conflito para se constatar
que ela, de fato, foi historicista em sua abordagem profética. Faz algum tempo,
estive em Curitiba dialogando com um dos defensores da teoria; alguém que, anos
antes, havia lançado um livro a respeito desse assunto. Nessa obra, ele
afirmara que João Paulo II iria renunciar e seria sucedido por um papa que
governaria por pouco tempo (pois seria um desastre para a Igreja) e, então, o
mesmo João Paulo II retornaria ao poder como o “oitavo”, cumprindo assim o
detalhe profético da procedência dentre os sete. Na oportunidade, afirmou-me o
autor estar consciente de que, se o papa viesse a morrer, sua teoria se
mostraria um equívoco. E não deu outra coisa. Agora existem aqueles que, não
reconhecendo o fracasso da teoria, querem coser um tampão na “brecha”,
tentando, face ao falecimento do papa, adaptá-la ao novo contexto; andam
afirmando que o recém-falecido papa será clonado, ou que o diabo irá
contrafazer uma ressurreição dele, ou, ainda, que esse papa, uma vez
canonizado, “aparecerá” (naturalmente por imitação maligna) para, novamente,
assumir o trono do Vaticano! É assim que “um abismo chama outro abismo” (Sal.
42:7). Mas, como geralmente acontece em artimanhas do tipo, é muito provável
que o remendo aqui, como diz o ditado, venha a ser “pior que o soneto”. Essas e
outras fantasias afins são ótimas para Hollywood (e seus filmes de ficção), mas
não para o povo de Deus. Por que esses “adventistas”, amantes do ineditismo e
do sensacionalismo, não vão pregar aos perdidos que anseiam pelo Evangelho
puro, límpido, fundamentado num insofismável “assim diz o Senhor”, e não
rompem, de vez, com idéias especulativas que só geram confusão? Quando vão
acordar para o fato de que devem construir e não demolir? Comissionado pelo
grande Mestre, o povo de Deus tem uma missão a cumprir em todo o mundo. Não
trabalhamos com meras conjecturas. Há uma verdade clara e objetiva para ser
proclamada ao mundo, uma verdade incorporada na tríplice mensagem angélica de
Apocalipse 14.
Não é hora de nos aventurarmos com fantasias inconseqüentes, de
gastarmos o precioso tempo que nos resta com produtos secundários, oriundos de
mentes irrequietas.
José Carlos Ramos, diretor de pós-graduação do Salt, campus
Engenheiro Coelho, SP